Não é da aristocracia que se trata. Nem da monarquia espanhola, que se encontra de boa saúde: é a segunda instituição mais bem avaliada pelos cidadãos, depois do exército. A nobreza que nos ocupa é uma atitude pouco comum nos campos da bola. Ainda menos vigente quanto maior é a rivalidade. Foi num derby de uma cidade. De Barcelona. Houve tempo para tudo: bom jogo, alguma emoção e, sobretudo, a nobreza.
Há jogadores que escapam às sempre estreitas margens do clubismo. Cujo desempenho nos relvados concita admiração superior à dos seus adeptos. São casos raros, tanto mais que a competitividade disfarça comportamentos arrogantes. Como se ser simples fosse incompatível com a arte suprema do mais belo jogo. Como se o comedimento fosse pecado ultrajante. Nestes tempos em que ser boa pessoa é sinónimo de irrelevante, há um jogador de primeira água que encanta: pela sua arte e comportamento.
Poderá ser o vencedor da "Bola de Ouro", mas este prémio nada soma à sua popularidade de gente simples. Com a mesma naturalidade que um dia - ainda miúdo da "macia", a fábrica de génios do Barcelona - disse que se fosse vedeta queria ajudar o pai pedreiro, Andrés Iniesta multiplica os gestos. E concita cada vez mais admiração. Na final do Mundial, após marcar o golo do título à Holanda, Iniesta tirou a camisola e fez a dedicatória mais espantosa e singela: Dani Jarque sempre connosco. Jarque era um jovem futebolista do Espanyol, vítima de morte súbita a 8 de Agosto de 2009.
O Espanyol é rival tradicional do Barcelona. Iniesta não se importou. Assinalou o infortúnio de um colega de profissão na hora de todas as comemorações. Não foi o poder da memória que se impôs. Mas o sentimento da perda. O gesto surpreendeu. No domingo à tarde, os adeptos "espanyolistas" estiveram à altura.Responderam com afecto nunca visto para com um adversário das suas cores. O nome de Iniesta foi longamente aplaudido aquando da apresentação das equipas. A sua saída da relva, antes do final, ficou marcada por uma unanimidade de sentimentos: adeptos nas bancadas, adversários e colegas em campo aplaudiram Iniesta.
Homem tímido, respondeu brevemente. A timidez de Iniesta é genuína. Quando no Palácio da Moncloa, os membros do Governo e os colegas de selecção insistiram para que falasse, Iniesta acedeu. E a todos desarmou. "Se soubesse disto, não tinha marcado o golo". O golo, entenda-se, do título mundial. Na uniformidade de egos exaltados, sobreavaliações de carácter e outros exageros que por aí andam, Andrés Iniesta é singularmente diferente.
E com sorte. Só assim pôde ler um dos muitos cartazes empunhados pelos adeptos do emblema rival. Como número 21, o que Jarque ostentava, uma camisola do Espanyol com o nome de Andrés Iniesta e a frase"Iniesta sempre connosco". Não foi apropriação indevida do talento alheio. Mas reconhecimento sincero. Com nobreza. (escrito por Nuno Ribeiro, Madrid)
Agradeço ao meu grande e fiel amigo FCM pelo envio deste extraodinário texto. Mostra como se pode escrever sobre Desporto com nobreza.
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