Miguel Torga escreveu há mais de 60 anos no seu Diário III, página 96, o seguinte: "Quando o futuro quiser saber o que se passou neste tempo, a História há-de dizer coisas de arrepiar os cabelos." As preocupações que o afligiam quando escreveu esta profética frase nada tinham a ver com o futebol, pois referia-se a males, que dramaticamente, como hoje, assolavam a sociedade de então.
A neutralidade não existe. Aceita-se. Também se aceita que algumas pessoas digam, - se não pensas como eu, então não pensas bem - ou mesmo, o fingimento da neutralidade corporizado por acções escritas ou corporais. Mas, uma coisa é por definição filosófica não se conseguir atingir o estado de neutralidade, por impossibilidade natural, e outra, é subverter e fazer batota.
Recentemente, num programa desportivo na TVI, o presidente (este país tem presidentes para tudo, filarmónicas, prisões, etc.) do conselho de arbitragem da Liga, Vitor Pereira, disse com aquele ar circunspeto que o caracteriza, que todos os árbitros eram sérios e honestos. Ao que saltando da cadeira, o Dr. Eduardo Barroso, reputado cirurgião cardio-vascular, e excepcional personalidade, respondeu que em todas as profissões, inclusivé nos cirurgiões, havia pessoas que não eram sérias e honestas, portanto que fosse contar essa história a outra freguesia. O Vítor Pereira manteve aquela postura de manequim da Rua dos Fanqueiros e continuou a representação, ou não fosse ele, antigo árbitro profissional.
De facto, só ao militar e ao sacerdote, não é permitido ter dúvidas, por razões óbvias que todos concordarão. Diferente foi o episódio caricato, entre vários, mas não podemos ir a todos, na passada terça-feira que se passou na RTPN, mais uma vez num programa desportivo. Uma única fotografia em papel formato A4 continha, presumo, o golo do jogador Falcão do Porto, supostamente marcado com a mão. O Moreira que guarda silêncio quando lhe convêm e barafusta quando se sente lesado, dizia que era um golo limpo. O Vasconcelos, que deveria ter mais olho, porque é cineasta, não muito produtivo é certo por falta de subsídios, também não se conhecem os filmes, rangia os dentes e dizia que tinha sido com a mão. Na realidade as duas coisas não podiam ter acontecido, nem numa situação de ser ou não ser, eis a questão. O Costa olhava por debaixo dos óculos, suspensos miraculosamente no nariz e pensava em estatísticas marteladas.
Os poucos leitores que me fazem o favor de ler, já devem ter percebido que não os considero muito, nem estimo este tipo de pessoas, que perde completamente a dignidade e compostura para defender as suas cores. Claro, que podíamos extrapolar estas atitudes e chegar aos jornalistas desportivos. Mas temos tempo. Não vou morrer já. Porque adoro zurzir em alguns deles.
Joaquim Meirim, foi um treinador português que para a época, implantou vários conceitos modernos e planos de treino nos vários clubes pequenos por onde passou, que causaram grande espanto e curiosidade naquele tempo. Não treinou, nenhum dos três grandes, o mais de perto foi o Belenenses, porque não era politicamente correcto, e estava vinculado a um partido que se encontrava na clandestinidade. Ele teve uma declaração simples, mas notável e corajosa, no programa Zip-Zip da RTP, que era o único canal de televisão, com Solnado, Cruz e Gouveia. Experimentem colocar na mesma bancada, todos juntos, dizia ele, um advogado, um médico, um padeiro, um trolha, um jornalista, um engenheiro, etc., todos muito aprumados antes do inicio do jogo. Uns de fato e gravata, e outros como podem. Verificaremos que passados dez minutos, após o jogo começar, não se distingue, o médico do trolha, o jornalista do advogado ou o padeiro do engenheiro. A maior das confusões reinará tanto em gritaria, como em insultos e atitudes. Essas discussões vão continuar durante as semanas seguintes com os jornalistas a incendiar, quando o fogo abranda. O carvão é adicionado para o fogo não esmorecer. Sujam as mãos mas não se importam. Mentem e fazem batota. Uma questão de dinheiro, inverterá o sentido da verdade se for necessário.
Imagino, aqueles que dão uma vista de olhos por estas palavras a perguntar para si próprios - mas este gajo de que clube será? Se me situar nos parâmetros que coincidem com o seu clube, sou o maior. Se não, o desprezo e o silêncio. Estou lixado.