Uma das minhas primeiras lembranças --e também das mais marcantes-- de uma partida futebol não é um gol.
No início da década de 1970, numa partida entre Palmeiras e Santos, disputada no Pacaembu, depois de um chutão para cima, que ultrapassou a marquise do velho estádio, a bola começou a cair, com muito efeito.
Logo, um bolo de jogadores se formou para tentar tocar naquele míssil que vinha do céu. No meio daquela confusão surge uma perna esticada. Era a do gênio Ademir da Guia, que tranquilamente aparou a bola com peito do pé e trouxe mansamente para o chão.
O desfecho tão belo e simples, para um lance que começou tão feio, fez com que todo o estádio, maravilhado, começasse a aplaudir o camisa 10 palmeirense.
Acho que a lembrança desse lance me deixa muito exigente e, até hoje, não me conformo como vários torcedores gastam aplausos em lances que mereciam a mais estrondosa vaia.
Por exemplo, é difícil acreditar como os torcedores adoram aplaudir quando um jogador dá um bico para a arquibancada --quanto mais longe o grosso chutar a bola mais aplausos ele terá.
Não falo de lances em que há uma jogada de perigo na área, mas sim daqueles que o jogador está sozinho, sem ninguém para atrapalhar. É um pecado ovacionar um jogador medíocre, que se limita apenas a chutar bolas para lateral.
Talvez, por isso, esses jogadores medíocres inflados com os aplausos dos torcedores comemoram um simples desarme como se fosse um gol. Pode reparar, mas é sempre aquele jogador ruim, que muitos insistem em aplaudir, que sai batendo no peito, socando o ar, quando consegue desviar uma bola para escanteio.
Concordo que não é possível ter só craques em campo, mas não dá para ver um monte de medíocres entrando em campo, porque eles têm como principal qualidade o excesso de vontade. Aliás, se eles têm tanta gana assim poderiam usar todo o fôlego que dispõem para melhorar tecnicamente.
Aplausos sem merecimento criaram uma classe de jogador, os chamados volantes de contenção --ou brucutus, cães de guarda-- que fizeram o futebol brasileiro perder grande parte do seu brilho.
Já disse aqui que, para se justificar a presença desse tipo de jogador, foi criado o mais infame dos bordões esportivos: "não aparece para a torcida, mas joga para o time". Frase que não quer dizer absolutamente nada.
Volante que só sabe marcar não ajuda time nenhum. Tudo bem que ele pode roubar bolas, mas isso não tem efeito prático nenhum, porque na sequência o volante dá um passe errado e a posse de bola volta para o adversário.
Isso é muito fácil de perceber. Ao analisar as estatísticas de um jogo, qualquer desses jogadores que são exaltados como guerreiro e "raçudos" tomam várias bolas, mas sempre erram mais passes do que o número de desarmes.
Por isso, vemos sempre esses jogadores correndo atrás dos adversários e dando carrinhos --que só servem para destruir o gramado. Na verdade, eles não estão ajudando em nada a equipe, mas sim tentando consertar a besteira que acabaram de fazer.
A proliferação de volantes marcadores fez com que acabassem os armadores no nosso futebol. Atualmente sentimos isso. Tanto que, tirando Paulo Henrique Ganso, do Santos, que está machucado, os nossos principais times precisam recorrer a estrangeiros --muitos que nem no seu país de origem tiveram destaque-- que fazem sucesso por aqui ditando o ritmo de vários times.
Mais do que um esporte, o futebol também é espetáculo. Então, sempre temos gastar nossos elogios com quem talento e não com medíocres que só sabem usar os bicos das chuteiras. (Humberto Peron, Folha de S.Paulo)
Sem comentários:
Enviar um comentário