domingo, 10 de janeiro de 2010

Pai treinador - Parte I

Viajei muito nos últimos dez anos para acompanhar a minha filha (hoje, com 19 anos) em torneios de ténis juvenis nacionais e profissionais do ITF. Hoje a minha filha é estudante de Direito, e ainda treina, para continuar jogando a alto nível. Para nós os estudos são tão importantes quanto o desporto.
Conhecemos lugares maravilhosos e horríveis, pessoas geniais e mesquinhas, aprendi muito sobre o desporto e, o mais gratificante, fiz muitos excelentes amigos. E pude perceber, desde há muito tempo, que apenas poucos iluminados como Guga (o autor refere-se a Gustavo Kuerten, o maior tenista de sempre do Brasil), conseguirão alcançar o seu objectivo (veja uma revista de ténis nacional de há dez anos atrás e verão que praticamente todos os jogadores juvenis de qualquer faixa etária, rankeados entre os dez melhores do país, hoje não jogam mais).
Realmente, a estrada rumo à profissionalização, devido a vários factores que todos conhecem, é muito difícil de ser percorrida. É um projecto tão difícil, caro e complexo, que os pais nele envolvidos acabam por sofrer, de forma gradativa, verdadeira metamorfose de personalidade e de comportamento social, prejudicando em muitos casos, de forma séria, a sua condição patrimonial e profissional.
E como se processa essa metamorfose? Quando o miúdo de seis/sete/oito anos começa a jogar, nada é dispendioso, tudo é divertido. O pai aparece de vez enquando no treino, de fato e gravata, não dá muita atenção aos treinos, está mais ligado à sua empresa através do telemóvel do que nos treinos do filho; está ali mais por obrigação de pai. Mas um dia o nome do filho aparece num qualquer ranking. Acende-se uma luzinha na cabeça do pai indicando que o filho pode ser um grande jogador, pode ser um Guga, e ser assediado pelo fãs no futuro.
O pai, que antes comparecia no clube uma vez por semana, começa a ir duas, três vezes por semana. O fato e a gravata deixam de ser necessários nessas visitas. Posteriormente, quando o filho já figura no ranking regional ou nacional entre os dez melhores, o pai fala com o professor e diz que o filho necessita de mais aulas, em exclusividade e assim por diante. O pai começa a atender o telemóvel com má vontade e dá mais atenção aos amigos vinculados ao ténis.
Alguns anos mais tarde, quando o filho joga pequenos torneios, a metamorfose completa-se: o pai começa a esquecer as suas responsabilidades profissionais. O estudos do filho passam para segundo plano. O pai antes um profissional reconhecido em determinada área, agora é conhecido apenas pelo pai do atleta tal. O assunto em todos os espaços (dentro e fora do clube, telefone, internet, etc.) é só sobre ténis. O inseparável fato e gravata foi trocado por fato de treino e o pai começa também a dar as suas raquetadas. O interesse por outras coisas desaparece e é substituído pela pontuação em torneios, ranking de jogadores, perfomance de treinadores, calendários de torneios, etc.
As relações familiares esfriam, o dinheiro que era gasto em determinadas necessidades é agora direccionado para as despesas com deslocações. Se o dinheiro acabou, vai ao banco e pede emprestado. O que não pode deixar de realizar-se é aquela viagem para o torneio ou para o circuito, onde estão em disputa 100 pontos. E por aí. A cabeça do pai é como a de um jogador viciado. E os resultados são os mesmos. Frustrações e depressões.
Tudo isso porque o ténis é, repito, muito caro e complexo, é um desporto individual geralmente não patrocinado; não é para qualquer jogador. Há pais que mudam de profissão, mudam de cidade e de país, de amigo, tudo pelo ténis. A sua personalidade já não é aquela de quando o filho brincava no clube.
Extracto e adaptação de um texto escrito por um juiz e pai de uma tenista no blogue TENISBRASIL

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